Quando escrevo para Aventura de
Ler, costumo ocupar (sem grandes méritos, é verdade) a seção leitura,
que atualmente está sendo melhor usada na divulgação das obras literárias que
foram expostas de forma criativa no pavilhão brasileiro da Feira do Livro de
Frankfurt – a maior do gênero no mundo.
Visitei a feira pela primeira vez
e tudo que vi me trouxe insights que
acho melhor comentar neste blog – mais apropriado para achismos
despretensiosos que vou tentar não fazer descartáveis. Minha autocrítica sobra da leitura de certas
colunas semanais que nem sempre são ocupadas por informação relevante, mas por
impressões mais ou menos interessáveis
– como o texto do Daniel Galera sobre sua chegada ao mesmo evento, publicado no
espaço que assina no jornal O Globo às segundas e que você pode
ler aqui.
Visão parcial do Pavilhão do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt |
Se já leu, posso dizer que a
frase que mais me interessou foi a que comenta o silêncio assustador de
Frankfurt. Por que assustador? Por que não estranho ou revelador? Lembro então do que aconteceu a uma amiga
psicanalista que ao visitar Tóquio e se hospedar no mesmo hotel do filme Encontros e Desencontros, situado nos
andares mais altos de um prédio de 233 metros de altura, abriu uma das janelas
à prova de som do quarto e deparou-se com um silêncio incompatível com a cena ofuscante
de uma das cidades mais movimentadas do planeta. Achou que estava tendo uma crise de
disritmia, com o ritmo do cérebro ralentando e provocando uma sensação que é
das mais aflitivas (só perde para o ataque de pânico). Pensou que havia algo de errado com ela
quando o problema é inteiramente nosso.
Falamos muito e alto demais. Estamos acostumados a provocar barulho. Bastam
dois pares de brasileiros num restaurante apinhado de alemães para que nenhum
outro som seja ouvido. Não achamos bonito (sabemos que é resultado da nossa
generalizada falta de civilidade), mas sentimos a ausência da nossa própria zoeira
como se fosse uma pane em um de nossos sentidos. Justo aquele que deveria ser melhor calibrado
para dar espaço ao Outro.
Pois bem, a Feira de Frankfurt é
monumental em área e número de participantes, mas seu espaço físico não pode ser mais parecido com uma gigantesca clínica de detox em dia de visita. Tirando o tamanho, tudo ali é justo: a
programação usa apenas duas cores, vermelho e preto, sobre o branco das paredes,
pisos e tetos; não há frases ou textos gritantes, apenas uma sinalização
monocórdica para a orientação dos visitantes.
Os dois primeiros dias da feira são exclusivos para profissionais do
meio editorial e não pude deixar de notar que Aventura de Ler foi
automaticamente aceito, via email, como portal de divulgação da leitura,
enquanto a Bienal do Livro carioca nos exigiu um contracheque (!!!) como prova da
nossa relação com o site, que poderia se inscrever como mídia e esperar ser preterido
entre os credenciados. Em 2011, com o site recém-inaugurado, tivemos que pedir uma forcinha a uma das maiores editoras cariocas
para garantir nosso trabalho de divulgação.
Ou seja, além de barulhentos, gostamos de complicar, entupir os
procedimentos e forçar a improvisação (ou a sua versão sinistra, a corrupção). Por isso, há quem ainda nos veja como muito
criativos, tendo em vista nossa longa intimidade com matreiras soluções de
última hora.
A participação do Brasil nesta
feira, até por ser um programa do governo, demonstrou estar perfeitamente
alinhada com o tempo atual. Não foi simples
atuação para inglês ou alemão ver, optou-se realmente por mostrar um Brasil de
muitas vozes e o eco das manifestações populares fez o coro de fundo, enquanto
os discursos de abertura e encerramento, pedra cantada antecipadamente, expunham
as nossas mazelas. O diretor da Feira
resumiu: “é um país angustiado consigo mesmo, mas que não deixa de ser
criativo”, disse Juegen Boos.
Embora Frankfurt fosse o objetivo
primeiro da minha viagem, fui ao encontro de Raphaela Leite e Victor Mattina, coleguinhas
do AL, que estavam em Berlim, a cidade que todo hipster tem no coração. Combinamos assistir à Maratona de Berlim, a
mais rápida de todas e um dos principais eventos de participação popular da
cidade, onde encontramos um carioca que não correu por causa de uma fascite
plantar, mal comum aos maratonistas. Dividido
entre o desapontamento e a solidariedade, ele me sai com o seguinte comentário:
aqui é bem diferente do Rio, onde ninguém
apoia os atletas e quando vai assistir é para gritar coisas como ”Dá-lhe
maluco!”. Um país de gozadores,
claro, onde ninguém perde a piada.
Assim como Frankfurt, Berlim
também é bastante silenciosa e não é incomum presenciar cenas como a das duas crianças
de colo quietíssimas num aparentemente abandonado carrinho de bebê duplo, estacionado na calçada enquanto a mãe sem pressa prova roupas em uma loja. Raphita observou: “em Berlim nem os cachorros
latem”.
Chegar em voo diurno e poder ver
as cercanias das cidades europeias é um dos meus programas favoritos – seja
Frankfurt, Berlim (supreendentemente arborizada e verde) ou Lisboa, meu portão
de entrada e saída nesta viagem. Desconfio
que Lisboa não esteja no peito de nenhum hipster, mas só a visão do conjunto daqueles
telhados (de tão conservados, parecem que foram todos trocados há pouco) derrete
qualquer resistência de quem é doente do pé. Considero a capital portuguesa
parada obrigatória para todo brasileiro e apoio inteiramente a campanha
promovida pelos lisboetas para nos seduzir de vez: Lisboa convida Brasil, que
dá dicas ótimas. Só falta combinar com o
pessoal de controle de passaportes para agilizar a entrada no país, onde se
perde uma eternidade de um tempo em que todos estão ansiosos ou muito cansados.
Se é verdade que representamos uma
parcela significativa do público da TAP, não seria pedir demais que fosse aberta
uma fila para os voos brasileiros. Simpatia
e calor humano sempre foi o caminho mais fácil para o coração brasileiro.
Por outro lado, chegar ao Rio em voo
diurno é um tapa na cara. Sobrevoar o amontoado de casas desalinhadas, sem
nenhum cuidado urbanístico, e chegar pelos fundilhos negros e fedorentos da Baía
de Guanabara, não tem clipe do U2 que dê jeito, é uma vergonha que pesa como
uma pedra no coração dos cariocas. A
sensação piora no Galeão (o nome de Tom Jobim merece esperar por dias melhores)
e chega quase à tragédia na fila dos táxis. Mais à frente temos o abandono da Ilha, a
Linha Vermelha e seu odor característico, e nem as empenas imundas dos prédios
do Jardim Botânico escapam. Ninguém
merece. Não acredito que os estrangeiros
ainda possam encontrar encantos nesta visão.
Não faz muito tempo que um ex-presidente de uma companhia francesa com
sede no Rio, perguntado sobre o que lhe fazia mais falta do tempo em que
residiu no Brasil, respondeu quase melancólico: “esculhambation...”
Infelizmente, não temos mais
tempo para ela. Lamento informar, senhor
empresário, mas estamos em confronto com essa tal e queremos mudanças que não
serão para seus olhos ou diversão. Como
diz o escritor Paulo Lins no vídeo do nosso site, é uma questão do brasileiro e temos
urgência. Assim como o Brasil que se
exibiu em Frankfurt, queremos um país passado a limpo e queremos pra ontem.
Veja as fotos da Feira no nosso tumblr.
Veja as fotos da Feira no nosso tumblr.