por Tatiana Laai
Tinha 11
anos quando li pela primeira vez As Brumas de Avalon e me apaixonei pelos livros de Marion Zimmer
Bradley, responsáveis por noites mal dormidas. Lembro que numa viagem à Paty do
Alferes, no interior do Rio de Janeiro, quase não saía do quarto, o tempo todo com
a cara no livro, o primeiro que levava numa viagem.
Li e reli as
Brumas mais vezes do que posso lembrar. A última foi logo que entrei na
faculdade, e ainda o tinha como um dos meus preferidos. Nesta época, já era apaixonada por histórias
do Rei Arthur, mas tudo que conhecia do universo arturiano se restringia a
livros infantis e filmes, principalmente, da Disney.
O fascínio
com a série de Marion não foi só por ser contada do ponto de vista das mulheres,
mas principalmente porque enriqueceu e abriu os horizontes sobre a lenda de
Arthur. A história de Morgana me fascinou e, depois, nunca mais consegui me habituar à
lenda mais famosa, na qual Morgan le Fay é uma bruxonilda da pá virada. Também
foi depois das Brumas que comecei a ler todas as versões das lendas arturianas
que me caiam nas mãos.
Decidi que
era fã de Marion e fui ler seus outros livros, como O incêndio de Troia , A Queda
de Atlântida e a série Darkover. Em todos, era das heroínas que
eu mais gostava. A autora deu voz às mulheres que rodeavam Arthur, às que
estavam no meio da guerra de Troia, e a todas as outras, mesmo quando contadas
por um homem. São esposas, filhas, mães, sacerdotisas, princesas, oficiais
militares ou guerreiras que a autora tira
da posição de coadjuvantes, ou de gatilho da história, para transformá-las em
personagens de ação. Que lutam para garantir o tipo de vida que desejam levar:
se vai ser esposa ou mãe de família, se vai ser sacerdotisa e interferir na
política, se vai cortar os cabelos, pegar uma espada e viver como uma Amazona
Livre, se vai ser uma princesa super feminina que luta sua batalhas no fio da
espada, não importa! Batalham pelo que
querem mesmo que todos à volta digam o contrário.
Nos livros
de Marion, a questão da escolha para homens e mulheres é sempre muito
importante e se mistura a muito romance e aventura. Para uma adolescente entre
onze e quinze anos era o melhor de dois mundos - princesas e cavaleiros,
aventura, magia e muito amor -, mas onde nem sempre as princesas
precisavam ser salvas e muitas vezes eram elas que empunhavam as espadas. Lendo
Marion Zimmer Bradley virei feminista. Durante
toda a adolescência li Stephen King e Anne Rice, muito gibi da Marvel, e estava
sempre relendo o Senhor dos Anéis,
mas se me perguntassem qual era o meu escritor favorito, não tinha pra ninguém.
Depois das
Brumas, Darkover tornou-se a minha preferida. Por causa das Amazonas
Livres, mas também porque nesta série a fantasia encontra a ficção cientifica. Ali, temos
espadas e magia, mas também telepatas e naves espaciais. Os primeiros que li foram os que mais me
impactaram: A Corrente Partida, A Casa de Thendara, e especialmente Cidade da
Magia, que acompanha cinco mulheres em busca da cidade perdida e é de tirar o
fôlego! As sucessivas situações de perigo, o suspense que ronda toda a trama,
os locais ermos e desolados e a união que liga as cinco
mulheres fazem do livro uma "sociedade do anel" de saias.
Darkover trata de um tema clássico da ficção cientifica - a colonização do
espaço -, com naves de colonos terráqueos perdidos no espaço, mas o grande achado
da série é que os Darkovanos, que são descendentes híbridos dos seres humanos
com os chieri (uma raça nativa) há muito já esqueceram sua herança terráquea e
os terráqueos, por sua vez, também não se lembram da nave de colonos há muito
tempo perdida no quarto planeta do sistema estelar Cottman.
A série tem mais de vinte livros que cobrem eras
inteiras de aventuras no planeta gelado:
a Era do Caos, com histórias que se passam antes da chegada dos terráqueos; a
Era dos Cem Reinos, na qual o planeta se encontra dividido numa centena de
reinos rivais, onde as guerras são constantes (nessas duas, as histórias têm uma
pegada de fantasia medieval); a Era da Redescoberta, quando o
planeta é redescoberto pelos terráqueos que resolvem construir um aeroporto
espacial próximo à maior cidade de Darkover (essa é minha era preferida); e a Era Após o Comyn, quando as más relações
entre Darkover e a Federação Terrestre atingem o clímax, arrastando as
principais famílias do planeta numa cruzada de intrigas e traições.
Cada romance
foi escrito como uma história individual e ler os livros fora da ordem
cronológica é o mais divertido. Descobrir
as pequenas peças do quebra cabeça que forma o planeta dos Darkovanos é sempre
uma grata surpresa.
Apesar de
ter feito muito sucesso comercial nos anos 70 e 80, Bradley nunca foi uma
autora festejada e bem recebida pela crítica. Ela pode não ter sido uma grande escritora
no que se refere à forma e estilo, mas sabia contar uma boa história de
aventura como ninguém. Razão pela qual tem
um fandom imenso, milhares de fanfics espalhados, e o universo cheio de detalhes que criou continua
se expandido nas mãos de outros autores.
Em 2000, a
autora ganhou um prêmio World Fantasy póstumo pelo conjunto da obra. Hoje, já
nem a considero minha autora preferida, mas o carinho que tenho pelos seus
livros permanece. Afinal, se hoje gosto
muito de aventura, fantasia e sci-fi com
certeza foi por causa da obra de Marion Zimmer Bradley.