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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Marion e eu






por Tatiana Laai


Tinha 11 anos quando li pela primeira vez As Brumas de Avalon e me apaixonei pelos livros de Marion Zimmer Bradley, responsáveis por noites mal dormidas. Lembro que numa viagem à Paty do Alferes, no interior do Rio de Janeiro, quase não saía do quarto, o tempo todo com a cara no livro, o primeiro que levava numa viagem.

Li e reli as Brumas mais vezes do que posso lembrar. A última foi logo que entrei na faculdade, e ainda o tinha como um dos meus preferidos.  Nesta época, já era apaixonada por histórias do Rei Arthur, mas tudo que conhecia do universo arturiano se restringia a livros infantis e filmes, principalmente, da Disney.

O fascínio com a série de Marion não foi só por ser contada do ponto de vista das mulheres, mas principalmente porque enriqueceu e abriu os horizontes sobre a lenda de Arthur. A história de Morgana me fascinou e, depois, nunca mais consegui me habituar à lenda mais famosa, na qual Morgan le Fay é uma bruxonilda da pá virada. Também foi depois das Brumas que comecei a ler todas as versões das lendas arturianas que me caiam nas mãos. 



Decidi que era fã de Marion e fui ler seus outros livros, como O incêndio de Troia , A Queda de Atlântida  e a série Darkover. Em todos, era das heroínas que eu mais gostava. A autora deu voz às mulheres que rodeavam Arthur, às que estavam no meio da guerra de Troia, e a todas as outras, mesmo quando contadas por um homem. São esposas, filhas, mães, sacerdotisas, princesas, oficiais militares ou guerreiras que a autora  tira da posição de coadjuvantes, ou de gatilho da história, para transformá-las em personagens de ação. Que lutam para garantir o tipo de vida que desejam levar: se vai ser esposa ou mãe de família, se vai ser sacerdotisa e interferir na política, se vai cortar os cabelos, pegar uma espada e viver como uma Amazona Livre, se vai ser uma princesa super feminina que luta sua batalhas no fio da espada, não importa!  Batalham pelo que querem mesmo que todos à volta digam o contrário. 

Nos livros de Marion, a questão da escolha para homens e mulheres é sempre muito importante e se mistura a muito romance e aventura. Para uma adolescente entre onze e quinze anos era o melhor de dois mundos - princesas e cavaleiros, aventura, magia e muito amor -, mas onde nem sempre as princesas precisavam ser salvas e muitas vezes eram elas que empunhavam as espadas. Lendo Marion Zimmer Bradley virei feminista.  Durante toda a adolescência li Stephen King e Anne Rice, muito gibi da Marvel, e estava sempre relendo o Senhor dos Anéis, mas se me perguntassem qual era o meu escritor favorito, não tinha pra ninguém.

Depois das Brumas, Darkover tornou-se a minha preferida. Por causa das Amazonas Livres, mas também porque nesta série a fantasia encontra a ficção cientifica. Ali, temos espadas e magia, mas também telepatas e naves espaciais.  Os primeiros que li foram os que mais me impactaram: A Corrente Partida, A Casa de Thendara, e especialmente Cidade da Magia, que acompanha cinco mulheres em busca da cidade perdida e é de tirar o fôlego! As sucessivas situações de perigo, o suspense que ronda toda a trama, os locais ermos e desolados e a união que liga as cinco mulheres fazem do livro uma "sociedade do anel" de saias.  



Darkover trata de um tema clássico da ficção cientifica - a colonização do espaço -, com naves de colonos terráqueos perdidos no espaço, mas o grande achado da série é que os Darkovanos, que são descendentes híbridos dos seres humanos com os chieri (uma raça nativa) há muito já esqueceram sua herança terráquea e os terráqueos, por sua vez, também não se lembram da nave de colonos há muito tempo perdida no quarto planeta do sistema estelar Cottman. 

A série  tem mais de vinte livros que cobrem eras inteiras de aventuras no  planeta gelado: a Era do Caos, com histórias que se passam antes da chegada dos terráqueos; a Era dos Cem Reinos, na qual o planeta se encontra dividido numa centena de reinos rivais, onde as guerras são constantes (nessas duas, as histórias têm uma pegada de fantasia medieval); a Era da Redescoberta, quando o planeta é redescoberto pelos terráqueos que resolvem construir um aeroporto espacial próximo à maior cidade de Darkover (essa é minha era preferida);  e a Era Após o Comyn, quando as más relações entre Darkover e a Federação Terrestre atingem o clímax, arrastando as principais famílias do planeta numa cruzada de intrigas e traições. 


Cada romance foi escrito como uma história individual e ler os livros fora da ordem cronológica é o mais divertido.  Descobrir as pequenas peças do quebra cabeça que forma o planeta dos Darkovanos é sempre uma grata surpresa.


Apesar de ter feito muito sucesso comercial nos anos 70 e 80, Bradley nunca foi uma autora festejada e bem recebida pela crítica. Ela pode não ter sido uma grande escritora no que se refere à forma e estilo, mas sabia contar uma boa história de aventura como ninguém.  Razão pela qual tem um fandom imenso, milhares de fanfics espalhados, e o  universo cheio de detalhes que criou continua se expandido nas mãos de outros autores.

Em 2000, a autora ganhou um prêmio World Fantasy póstumo pelo conjunto da obra. Hoje, já nem a considero minha autora preferida, mas o carinho que tenho pelos seus livros permanece.  Afinal, se hoje gosto muito de aventura, fantasia e sci-fi  com certeza foi por causa da obra de Marion Zimmer Bradley.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Kleber antes do Som...

   O Som ao Redor chama a atenção. Pela bilheteria – chegou a mais de 30 mil espectadores na última semana, sendo um filme que foi distribuído em poucas salas, e pela crítica, que em geral vem se posicionando a favor da obra, tanto no Brasil quanto no exterior (ganhou o Festival de Roterdam do ano passado, além de ser considerado um dos dez melhores filmes de 2012 pela New York Times).

Para mim, continuam vindo as reflexões das duas vezes que assisti. É verdade que o impacto e interesse da primeira (que rendeu esse texto), ficou abaixo do esperado na segunda vez, mas ainda é possível considerar o primeiro longa de Kleber Mendonça Filho uma obra digna de importância.


No entanto, o texto pretende indicar as obras anteriores de Kleber que, antes do atual longa, era crítico de cinema, além de ter produzido uma série de curtas metragens que merecem atenção para se entender como ele chegou ao O Som ao Redor: as grades e a paranoia da classe média recifense se encontravam presentes desde Enjaulado e algumas citações de personagens do longa estão presentes em Eletrodoméstica.



Todos os filmes foram liberados pelo próprio diretor (nos seus canais do vimeo e youtube). Por isso, deixei as sinopses a cargo do próprio autor.





Enjaulado (1997)

“Minha própria versão de "Repulsion", de Roman Polanski, mas com um homem no lugar da mulher e a paranóia da classe média brasileira no lugar do sexo... Meu primeiro curta de "ficção", feito em Betacam, alguns anos antes do digital chegar. Influências de Argento e Carpenter são quase um abuso. Charles (Hodges) é o 'one man show'.”



Enjaulado (Caged In, 1997) from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.







Vinil Verde (2004)

“Mãe dá a Filha uma caixa com disquinhos coloridos de músicas infantis. Filha pode ouvir os disquinhos, exceto o disquinho verde.”


Vinil Verde (Green Vinyl, 2004, 16') from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.



Eletrodoméstica (2005)

“Classe Média. Brazil, anos 90. A 220 volts.”


Eletrodoméstica (2005, 22') from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.



Noite de sexta manhã de sábado (2006)

“Homem encontra mulher.”


Noite de Sexta Manhã de Sábado (Friday Night Saturday Morning, 2006) from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.



Recife Frio (2010)

“RECIFE FRIO é um 'falso documentário' sobre mudança climática na tropical capital pernambucana que, inexplicavelmente, passa a ser fria. Isso gera mudanças no comportamento da população e em toda uma cultura que sempre viveu em clima quente.”






E aí? Qual você mais gostou?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Monster High: os freaks da nova geração


Logo que as bonecas de Monster High, franquia da Mattel criada em 2010, chegaram ao Brasil, minhas sobrinhas começaram a pedir para ganhar de presente. Na ocasião, achei curioso aquelas bonecas que pareciam um cruzamento da Família Addams com Barbie, também da Mattel, mas não dei grande importância.  Só achei interessante a sacada da empresa, grande fabricante de brinquedos, perceber o interesse que personagens de terror despertavam em garotas pré-adolescentes.  Até então, só havia percebido brinquedos com esta temática para meninos.

Cruzamento de Barbie com Família Addams...

Percebi também que o sucesso das bonecas foi bem maior do que eu esperava – para mim, era uma moda passageira que só iria durar um verão.  Mas, minhas sobrinhas começaram a pedir de presente não apenas as bonecas, mas roupas, revistas, posters, bolsas e os mais variados apetrechos estampados pelas bonecas em um estilo gótico de boutique.  Nem as revistas em quadrinhos chamaram minha atenção, pois suas capas pareciam emular as capas de revistas típicas de adolescentes, com manchetes sobre moda, namoro ou comportamento.  Foi só quando uma delas ganhou um livro, um romance baseado nas bonecas, que o fenômeno foi captado pelo meu radar.

O 1º livro da série
Escrito por Lisi Harrison, que desenvolveu projetos para a MTV americana e criou “Alfas”, uma série literária para adolescentes bem sucedida já lançada no Brasil, o livro tinha quase 400 páginas. Eu achava que, hoje em dia, essa quantidade de páginas deveria ser um obstáculo intransponível para garotas entre 11 e 15 anos, acostumadas com o imediatismo das redes sociais e a comodidade de filmes e seriados de TV baixados em seus computadores. O fato da ID Editora já ter lançado por aqui quatro livros da série felizmente prova que eu estava errado. Confesso que não li o livro de minha sobrinha – minha pilha acumulada de material para leitura está grande o suficiente – mas dei uma folheada em alguns capítulos e gostei da qualidade do texto. Uma nova geração de leitoras deve estar sendo formada com a série.

Mas a proposta por trás de Monster High me conquistou depois que vi os seriados de animação baseado nas bonecas – veiculados na internet e na TV – e entendi o contexto em que suas aventuras acontecem. Monster High é uma escola de Ensino Médio onde estudam os filhos de monstros clássicos de Terror: Drácula, Lobisomem, Múmia, Frankenstein, Zumbi, Fantasma da Ópera, Abominável Homem das Neves, entre outros. A série aborda todos os clichês de aventuras desenvolvidas num ambiente como este: os namoros, as típicas dificuldades que os jovens têm em interações sociais, os conflitos entre os mais populares e os que não têm prestígio, o interesse pela moda etc. A série, porém, tem dois grandes diferenciais.


O primeiro deles é seu foco em como os estranhos, os freaks, precisam lutar para serem aceitos pelo que são, sem que precisem mudar para poder integrar a sociedade ou ser parecidos com os normais – chamados pelos alunos da Monster High de “normies”. Eles estabelecem sua própria noção de estética, a partir de suas características e da criação de cada um e não procuram se adequar ao que é dito pela moda. Como diz um dos slogans do produto, “o legal é ser diferente”. Neste ponto, as bonecas de Monster High transitam no extremo oposto do padrão estabelecido há mais de 50 anos pela mesma Mattel com a Barbie: uma boneca que sempre acompanhou a moda e foi modelo da garota perfeita, seja pelo seu físico, pelas suas atitudes ou por tudo que ela possui – casas, carros e objetos que despertam o desejo de suas donas.  Barbie é um único exemplo a ser seguido, um personagem que não possui um contexto claro por trás de si – tanto que os longametragens de animação que estrelou são em geral independentes entre si, sem uma narrativa que os une. Enquanto isso, cada boneca de Monster High possui sua própria história, personalidade e gostos e seu universo de aventuras é coeso, estabelecendo maior identidade com seu público. Não é a toa que, depois que entrou na onda das garotas da Monster High, minhas sobrinhas não querem mais saber das princesas da Disney, sempre perfeitas em seu mundo cor de rosa.

 
O segundo diferencial são as referências apresentadas na série que remetem a uma grande gama de elementos da cultura pop. A cidade onde Monster High se localiza é Salem, no Alabama, que nos remete a outra Salem, localizada em Massachusetts, conhecida pelos seus polêmicos julgamentos de casos de bruxaria no século XVII. Um vilão na série que está querendo atrair freaks para seu circo de horrores chama-se Barnum , numa referência ao controverso empresário do mundo do circo Phyneas Taylor Barnum, citado em nosso site no texto “Mundo Bizarro”, de Tatiana Lai. Os nomes das alunas do colégio é outro achado: Cleo de Nile, Ghoulia Yelps, Abbey Bominable, Deuce Gorgon... Todos lembram a origem monstruosa de cada um. Só a curiosidade de procurar entender a origem destas referências ampliará bastante os horizontes das fãs.

O sucesso alcançado por Monster High mostra que o contexto dos freaks, a identificação do público com os excluídos, com os que são diferentes da maioria por suas caraterísticas físicas ou sua identidade cultural, ainda vai ter seu espaço garantido na cultura pop, sendo mais uma vez reinventado para a nova geração. Barbie e as Princesas da Disney, estas “normies”, podem não estar com seus dias contados, mas certamente deixaram de ser hegemônicas. Ainda bem!